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Volta a estar em assunto a questão da descriminalização do aborto. Para assentar ideias, registe-se, trata-se de excluir o tipo de crime interrupção voluntária da gravidez (IVG) do código penal, e consequentemente deixar de punir, e mesmo de julgar, (e antes disso ainda, de acusar) tal prática. Deixar de ser crime.
Logicamente, é uma prática cujo agente será – atendendo ao estado actual da nossa tecnologia – necessariamente feminino, e daí todas as questões daí decorrentes, dos direitos das mulheres, a proteger. Sim, porque com a descriminalização virá, supõe-se, uma mudança essencial na assistência à IVG, passando da clandestinidade suja e sombria, aterradora até, para uma higiene e garantia de serviço clínico-hospitalar de grandeza pública.
O povo português teve já, e não há muitos anos, oportunidade de se pronunciar contra ou a favor desta descriminalização. A maioria optou por que nos mantivéssemos contra, mas os defensores dos direitos das mulheres, sobretudo, não deixaram morrer a discussão e estamos em crer que não faltará muito para que assistamos a novos desenvolvimentos nesta matéria.
Gostaríamos, pois, e sem que qualquer das outras perspectivas – e são tantas e tão complexas as que aqui podem surgir – vejam as suas validades minimamente beliscadas, de problematizar a questão focalizando a nossa atenção no elemento da equação que, estando presente, é também relegado para uma posição de inferioridade relativa, quase o destituindo de qualquer relevo. Falamos do progenitor.
Se a IVG deixa de ser crime, ou contra-ordenação, passará a estar na disponibilidade da mulher grávida. Atribui-se à parturiente, portanto, uma liberdade total sobre a vida intrauterina que está a gerar. No caso do progenitor, do ainda feto, o papel a desempenhar é o de mera testemunha. Suplicante ou conformada. Aliviada ou desesperada. Sim, a testemunha. O pai.
A quem discute a nossa ordem jurídica - e este é um assunto profundamente jurídico, no todo que envolve do que é a identidade da nossa cultura social – gostaríamos de perguntar que soluções estão previstas para os conflitos que surjam quando o pai se oponha à IVG, por desejar o filho nascituro, ou, até por já o amar.
Podemos ir mais longe, e desejar saber o que acontece quando a parturiente não efectue a IVG exclusivamente por influência da oposição do pai, e se este, nesse caso, uma vez a criança nascida, terá dificuldades em obter a sua guarda, ou, ainda a montante, se tal pai poderá exigir prestação a título de alimentos à mãe renitente.
Rocambolescamente, podemos também inverter este último raciocínio, e, partindo ainda do princípio da liberdade total de disposição sobre o feto (a qual não se sabe ainda se será negada ao pai na parte que lhe é possível, ou seja, se este pode livremente repudiar aquele feto, ainda que não lhe tire a vida), tentar calcular se a mãe poderá exigir a prestação de alimentos ao pai repudiador.
plantado por Badalo @ 18:44 |
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