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É costume juntarmo-nos ao fim-de-semana no celeiro, quando as horas já o permitem e os afazeres estão arrumados, para descontrair um pouco depois de uma semana árdua. Recentemente surgiu a ideia de organizarmos um pequeno espectáculo dramático para nos mantermos entretidos; quem não tivesse o seu papel, seria espectador. E, bom, lançada a base, a cabra Sega teve a ideia de representarmos o mito de Pandora, o que todos achámos bem e ficámos apenas incumbidos de escolher um papel e estudá-lo para depois montarmos tudo em improviso. Costumamos fazer isso e divertimo-nos imenso. A Vaca Louca (às vezes parece a Miss Piggy...) lá teve de ganhar o papel de Pandora, o Marcolino teve de fazer de Zeus, o Epifânio ofereceu-se para Epitemeu e a mim calhou-me na rifa ser o Hermes. O relato que se segue é uma gravação da exibição única que ocorreu.
- Cena III –
(Coiro): E dos céus, pela mão de Hermes,
desceu a primeira mulher
a mais divina das mulheres feita deusa
por ordem de Zeus a castigar os homens
Pandora (dengosa, para Epitemeu): Belo, valente Epitemeu! Por seres tão nobre e garboso, o deus dos deuses enviou-me até ti, serei o teu maior tesouro, coroarei o teu ego masculino de glória, e outras coisas mais, toda eu sou perfeita, desposa-me, desposa-me já!
Epitemeu (lambendo-se): Querida Pandora, exulto de felicidade! Serei teu marido com o mais inebriado dos prazeres, estou totalmente rendido aos teus encantos... Então e a caixa?
Pandora: Qual caixa?
Epitemeu: O presente, o dote, mulher! Não me digas que não a trouxeste!?
Pandora: Não sei de que estás a falar, amantíssimo esposo, eu fui modelada pelo deus-ferreiro e dotada de todas as artes e por todos os deuses do Olimpo, para que vos perdesse a vós, homens, a todos e sem excepção, por amores a mim que apenas vos trarei o gelo ao coração. Sou a vingança destemperada de Zeus; Hermes tornou-me perigosa como vós não fazeis ideia (pisca o olho a Hermes, que agora está fora de cena mas é o encenador), dize-me, para que raio precisaria eu de uma caixa...?!
Epitemeu: ... mas não! Não é nada disso! Tu trazes uma caixa que é o presente envenenado de Zeus por causa do meu irmão Prometeu lhe ter pregado umas partidas... Uma caixa onde estão escondidos todos os males deste mundo e... não me digas que não sabes sequer qual de nós a vai abrir...? És tu quem, por curiosidade ou perfídia a vai...
Pandora: (interrompendo) Curiosidade ou perfídia? Que lata! E que mais há nessa tal caixa?
Epitemeu: A Esperança. Vai ficar agarrada ao bordo do tampo. Então não a trouxeste?
Pandora: A mim disseram-me que essa caixa já cá estava. E, se queres que te diga, a vossa situação já não está nada famosa com a minha presença cá, sobretudo a tua, que casaste comigo. O melhor é deixar a caixa onde está.
Epitemeu: Não, sabes o que é que eu vou fazer? Vou dizer Hesíodo. (aclara a voz) «Pandora, simbolizando todas as mulheres, é um mal tão belo, reverso de um bem. Flagelo terrível instalado entre os mortais, mas algo maravilhoso revestido pelos deuses de atractivos e de graça. Raça maldita, mas imprescindível ao homem... (Teogonia 585-591)».
(cai o pano)
plantado por Badalo @ 07:42 |
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