I. Enquadramento Prévio
Senti vontade de responder ao desafio
deste post em detectar a incongruência. Comecei a escrever um comentário mas desde logo percebi que os mil caracteres permitidos pelo haloscan seriam curtos e decidi-me a fazê-lo por aqui. Espero que
as Autoras mo perdoem. Desta forma, antes de se prosseguir com a leitura do que
infra vem vertido, roga-se a leitura do desafio.
A incongruência é (pelo menos aparentemente, e já me explico) o apelo ao respeito pela diferença depois de excluir algo que é... diferente. Até aí chega-se bem. Mas não é simples. E não o é explicá-lo aqui em meia dúzia de linhas.
II. O Problema
Parece que há quem se sinta aviltado com a mera ideia de casais gay (expressão que, por ser curta e popular será aqui usada como referência aos casais do mesmo género ou sexo) celebrarem matrimónio. Por outro lado há aqueles que - suponho, os próprios interessados - se sentem aviltados por serem discriminados, prejudicados até, nesta impossibilidade legal de adquirirem o estado de casados. A questão tem ganho novo fôlego no âmbito da pré-campanha eleitoral que antecede a ida às urnas de dia 20 deste mês.
Antes de mais, e para que não haja confusão, devo dizer que se a Assembleia da República legislar no sentido de abrir a figura do casamento aos casais
gay não irei sentir qualquer tipo de entusiasmo. Por outro lado, também não sentirei qualquer tipo de calafrio. No entanto, e enquanto nada disto se define - estou convicto que nem sempre tudo será como é nesta matéria - limito-me a achar curioso observar as angústias de quem quer alterar a vigência actual. Li um
artigo do Doutor Bidé, que, apesar de conter a jocosidade que é própria do Autor, acaba por revelar uma perspectiva de
alguma forma semelhante à minha (arranjar lenha para se queimar).
III. O Cerne da Questão
Há que ter em conta que o casamento é uma instituição, civil e religiosa, criada dentro de uma lógica heterossexual. Ou seja: de heterossexuais para heterossexuais. Se me perdoarem a comparação, parece-me um pouco como os budistas de repente quererem reivindicar o seu direito a baptizar-se. E eu perguntaria: para quê? Imagine-se um(a) heterossexual a quem é barrado o acesso a uma parada gay. Far-lhe-á mossa? Apenas em casos paralelos ou muito rebuscados.
É claro que poder-se-á argumentar: ora, o casamento, enquanto figura do direito civil, com o seu conjunto de efeitos nas esferas jurídicas dos cônjuges, abre portas que estão vedadas de outra forma, e manter essas portas fechadas aos indivíduos sexualmente orientados para o seu próprio género é apenas ostracismo e pura e simplesmente injusto (porque injustificado). Mas falamos de quê, exactamente, quando referimos essas portas fechadas? Do direito de adoptar (estabelecimento do vínculo jurídico da filiação fora dos laços sanguíneos)? Então reivindique-se o direito à adopção e não se confunda com o casamento. Dos benefícios que resultam das declarações de rendimentos para efeitos tributários (maxime IRS)? Já lá vai o tempo em que o Estado protegia a família, pois hoje em dia há mais vantagens em apresentar duas declarações de rendimentos individuais do que uma conjunta (o que, relembra-se, não é permitido aos cônjuges não separados). Da aceitação social? Não estaremos por aí a pôr o carro à frente dos bois? Será que tais casamentos não encontrarão a sua forma natural (no sentido jurídico) a partir do momento em que a ideia que lhe subjaz esteja socialmente integrada? Não será irracional forçar as mentalidades através do jurídico? Não se percebe facilmente que o fenómeno terá de ser o inverso (fazer a juridicidade acompanhar cabalmente as mentalidades)? Ou tudo isto não excede uma questão de preguiça por se perceber que abrindo as portas ao casamento de casais gay se resolveriam, em bloco, estas questões?
IV. Conclusão
Se é certo que não me incomoda minimamente a ideia de se alterar o disposto no
art.º 1577.º do nosso Código Civil, com as implicações que daí decorrerão, também é verdade que me parece que isso não faz muito sentido, a não ser dentro da tal lógica de preguiça atrás referida. Naturalmente que não posso defender que pessoas que vivam uma situação
de facto coberta por determinada protecção jurídica dela não possam beneficiar, sobretudo por lhe estar vedada tal formalização jurídica, pois que de justiça material se trata. Mas o que digo é que faria mais sentido pugnar por uma equiparação ponto por ponto sem se correr o risco de desvirtuar (aqui não no sentido de tirar a virtude mas a essência) uma instituição secular criada dentro da sua própria lógica. Há, até, já quem trate da
cerimónia.
plantado por Badalo @ 15:06 |